Amor por princípio e a
Ordem por base; o Progresso por fim.
Comte
Auguste Comte nasceu na França
(Montpellier) em 1798, viveu grande parte da sua vida em Paris, onde morreu em
1857. Estudou na Escola Poli técnica de Paris e medicina em Montpellier, mas
não terminou nenhum dos cursos, tendo feito boa parte de seus estudos por conta
própria. Durante sua vida, tentou, mas não conseguiu, ser admitido como docente
permanente na Escola Politécnica. Desenvolveu várias atividades para
sobreviver; foi professor particular, tutor, examinador da Escola Politécnica
e, por vários anos (1817-1824), conviveu e foi secretário de Saint Simon com
quem rompeu por discordar do rumo que suas ideias tomaram.
Comte publicou vários livros e fez
conferências públicas, bem como conferências a cientistas, que não lhe renderam
dinheiro, mas que tinham como objetivo tornar conhecida sua filosofia e arrebentar-lhe
adeptos. Foram, em parte, esses objetivos que lhe garantiram o sustento, por
meio de contribuições. Dentre essas conferências, foram importantes as
conferências públicas de astronomia, destinadas ao público leigo (e aos
trabalhadores, especial mente), que tinham a preocupação pedagógica de, por
meio do estudo da mais avançada das ciências, ensinar que o universo e a
sociedade eram submetidos a leis invariáveis, eram ordenados. Também importantes
foram as conferências que deram origem aos volumes assim igualmente intitulados
Curso de filosofia positiva, dirigidas a um público de cientistas e que tinham
como objetivo dar a conhecer a sua filosofia.
Em 1845, Comte conheceu Clotilde de
Vaux que morreu um ano de pois, de quem se tomou amigo e que marcou
profundamente seus últimos trabalhos. Atribui-se à admiração de Comte a
Clotilde de Vaux muitos dos aspectos contidos na sua proposta de uma Religião
da humanidade, como o papel que aí atribui à mulher em geral, e a Clotilde (que
ocupa lugar de destaque nos ritos religiosos previstos) em particular.
Dentre seus livros publicados,
destacam-se: Curso de filosofia positiva (cujo primeiro volume foi publicado em
1830 e o sexto e último em 1842), Tratado elementar de geometria analítica
(1843), Tratado filosófico de astronomia popular (1844), A política positiva
(1851-4), Catecismo positivo (1854) e Síntese subjetiva ou sistema universal de
idéias sobre o estado normal da humanidade (1856).
Comte vive na França num momento
pós-revolucionário, quando a burguesia havia ascendido ao poder. Na primeira
metade do século XIX, a luta pela manutenção do poder, por parte da burguesia,
e pela sua tomada, por parte de uma crescente classe de trabalhadores, desencadeia
não apenas uma série de convulsões sociais e políticas, mas também um conjunto
de ideologias e sistemas que tem por objetivo dar sustentação aos vários
setores em luta.
Comte toma o partido da parcela mais
conservadora da burguesia, que defendia um regime ditatorial e não
parlamentarista e que buscava criar as condições para se fortalecer no poder e
impedir quaisquer ameaças, identificadas com todas as tentativas
democratizantes ou revolucionárias. Nesse sentido, sua proposta de uma
filosofia e de reforma das ciências tem como objetivo sustentar essa ideologia,
e suas idéias de reforma da sociedade e até de uma nova religião são coerentes
com essa visão.
Apesar do pensamento de Comte parecer
ser uma resposta às condições históricas específicas do capitalismo francês do
século XIX, os lemas positivistas que emergem do pensamento de Comte
difundiram-se além das fronteiras francesas, chegando a influenciar a política
(e a sociedade) de países em situação histórica bastante diferente da França.
Tal é o caso do Brasil, como o reconhecem não apenas autores brasileiros, mas,
de uma maneira geral, vários estudiosos de Comte:
No fim dos anos 1840 uma Sociedade
Positivista foi findada e desde então a doutrina de Comte começou a ganhar
adeptos. De acordo caiu o próprio plano de Comte, a Sociedade tornou-se mais e
mais um tipo de religião secular com seu próprio ritual; alguma coisa disto
sobrevive até hoje na França, embora tenha preservado sua maior fertilidade no
Brasil. (Kolakowski, 1972, p. 63).
A seita religiosa praticamente não
chega a se propagar na França. Mas o amálgama político ideológico da religião
positivista lançara raízes na América Latina: no Brasil, no Chile, no México. A
revolução brasileira de 1889 será obra das seitas positivistas: desde então a
bandeira brasileira tem a divisa Ordem e Progresso. Benjamin Constant, o
ministro da Instrução Pública nessa época, reforma o ensino de acordo com os
pontos de vista de Comte. (Verdenal, 1974, p. 234)
Apesar de ser discutível (e isso tem
sido analisado por autores brasileiros) o peso do positivismo para o
estabelecimento da República no Brasil, é inegável seu papel, pelo menos no que
diz respeito à influência de alguns homens que abraçavam o positivismo e que
foram importantes nesse momento histórico. Tal é o caso de Benjamin Constant e
dos militares brasileiros, que estavam convencidos de que os ideais
positivistas serviriam de modelo às reformas políticas, sociais e econômicas
que então se processavam.
Maar (1981) afirma que, embora não se
possa atribuir influência decisiva ao movimento positivista ortodoxo na
instalação da República, as idéias positivistas influenciaram o seu
estabelecimento e até, em alguns casos, algumas medidas institucionais. Exemplo
disto seria a constituição gaúcha de 1891 que estabelece, entre outras coisas,
algumas medidas trabalhistas que objetivavam integrar o trabalhador à
sociedade, a possibilidade de permanência indefinida no governo do chefe de
estado e poderes muito limitados à assembleia. Maar lembra ainda que o ideário
positivista esteve, e talvez ainda esteja, presente no Brasil: nas idéias que
pregam a necessidade de um estado forte, a necessidade dos militares como um
poder moderador, nas idéias que apontam como desvios perigosos o não
reconhecimento de uma pretensa harmonia entre as classes sociais, nas idéias
que, portanto, acabam por privilegiar a força sobre a lei. E, acima de tudo,
tais idéias estão representadas até hoje no lema da bandeira brasileira, Ordem
e Progresso, que ainda permeia muito a ideologia nacional.
Se as concepções políticas de Comte
são indispensáveis para se compreender a influência que exerceu na elaboração
de determinadas posturas políticas, a influência de sua obra no pensamento
moderno e contemporâneo não se restringe a tais concepções. Comte elabora,
também, uma proposta para as ciências, pretende ser o fundador de uma nova
ciência, a sociologia (termo que ele cunhou), e funda uma religião. A
compreensão das propostas de Comte e de sua influência depende da compreensão
de cada um desses aspectos e, principalmente, do entendimento da totalidade de
seu pensamento.
Vários estudiosos de Comte vêem uma
ruptura entre sua proposta para a ciência e a proposta de uma religião como
base de uma pretensa reforma social. Acreditam que suas posições
antimetafisicas e antiteológicas, no que se refere ao conhecimento científico,
não são compatíveis com sua proposta de uma religião. Indubitavelmente, sua
influência posterior contou com adeptos que só assumiram seu cientificismo, e
com seguidores que assumiram toda sua proposta. No entanto, outros estudiosos
de Comte enfatizaram que esse fato (a aceitação apenas de suas idéias a
respeito da ciência) não revela, em si, uma incoerência no pensamento do
próprio Comte (mas revelaria condições históricas específicas a que estariam
submetidos seus seguidores). Tais estudiosos afirmam que suas propostas de
reforma social e de uma religião da humanidade são consequências necessárias
que estão contidas em suas propostas para a ciência; são o corolário necessário
de suas crenças políticas; de sua visão de história como um progresso contínuo
do conhecimento e do espírito humano, progresso apenas possível com e dentro de
uma ordem ab soluta; e de sua visão de uma natureza absolutamente ordenada
segundo leis invariáveis. Esses estudiosos vêem, assim, as idéias de Comte como
um sistema unitário no qual, segundo Verdenal (1974),
Em última análise o positivismo é a
fórmula filosófica que permite transmutar a ciência em religião: a ciência,
desembaraçada de todo além teórico da especulação, converte-se em religião
despojada de perspectiva teológica e reduzida aos fatos da prática religiosa:
os ritos sociais. (p. 24S)
A palavra positivo e os significados
a ela associados marcam diversos temas discutidos por Comte, como a história, a
filosofia, a ciência e a religião.
Considerada de início
em sua acepção mais antiga e comum, a palavra positivo designa real, em
oposição a quimérico. Desta ótica convém plenamente ao novo espírito filosófico,
caracterizado segundo sua constante dedicação a pesquisas verdadeiramente
acessíveis a nossa inteligência (.). Num segundo sentido muito vizinho do
precedente, embora distinto, esse termo fundamental indica o contraste entre
útil e ocioso. Lembra, então, em filosofia, o destino necessário de todas as
nossas especulações sadias para aperfeiçoamento contínuo de nossa verdadeira
condição individual ou coletiva, em lugar da vã satisfação de uma curiosidade
estéril. Segundo uma terceira sign usual essa feliz expressão é, frequentemente,
empregada para qua1 a oposição entre a certeza e a indecisão. Indica, assim, a
aptidão característica de tal filosofia para construir espontaneamente a
harmonia lógica no indivíduo, e a comunhão espiritual na espécie inteira, em
lugar destas dúvidas indefinidas e destes debates intermináveis que devia
suscitar o antigo regime mental. Uma quarta acepção ordinária, muitas vezes
confundida com a precedente, consiste em opor o preciso ao vago. Este sentido
lembra a tendência constante do verdadeiro espírito filosófico a obter em toda
a parte o grau de precisão com patível com a natureza dos fenômenos e conforme
as exigências de nossas verdadeiras necessidades (..). E preciso, enfim,
observar especialmente urna quinta aplicação, menos usada que as outras, embora
igualmente universal, quando se emprega a palavra positivo como contrária a
negativo. Sob este aspecto, indica urna das mais eminentes propriedades da
verdadeira filosofia moderna, mostrando-a destinada sobretudo, por sua própria
natureza, não a destruir, mas a organizar. (Discurso sobre o espírito positivo,
1 parte, V)
Além desses cinco atributos, Comte
acrescenta mais um significado ligado, embora não diretamente, à palavra
positivo, e que, para ele, deve marcar tal pensamento.
O único caráter
essencial do novo espírito filosófico, não ainda indicado diretamente pela
palavra positivo, consiste em sua tendência necessária a substituir, em todos
os lugares, absoluto por relativo. (Discurso sobre o espírito positivo, l
parte, VII)
Comte supõe, no entanto, que o
pensamento nem sempre foi marcado por essas características. O pensamento
positivo, que ele considera já existir, no século XIX, em vários ramos do
conhecimento (e que o próprio Comte acreditava estar trazendo para o último
ramo do conhecimento — a sociologia) é visto como fruto de uma longa história
do desenvolvimento do pensamento. Esse desenvolvimento expressaria uma lei
necessária de transformação do espírito humano, que Comte chama de lei dos três
estados, segundo a qual, numa sucessão necessária, o pensamento humano passaria
por três momentos, três formas de conhecimento, sendo caracterizado, em cada
estado, por aspectos diferentes, até atingir, no seu último momento, o estado
positivo. Com- te, embora expresse essa lei como absoluta, já que todas as
áreas do conhecimento humano assim se desenvolveriam, não acredita que todas as
áreas do conhecimento se desenvolvam concomitantemente e vê nessa lei uma regra
da história do desenvolvimento da humanidade e uma regra da história do
desenvolvimento do indivíduo.
Em outros termos, o
espírito humano, por sua natureza, emprega sucessiva- mente, e em cada uma das
suas investigações, três métodos de filosofar, cujo caráter é essencialmente d e
mesmo radicalmente oposto: primeiro, o método teológico, em seguida, o método
metafísico, finalmente, o método positivo. Daí três sortes de filosofia, ou de
sistemas gerais de concepções sobre o conjunto de fenômenos, que se excluem
mutuamente: a primeira é o ponto de partida necessário da inteligência humana;
a terceira, seu estado fixo e definitivo; a segunda, unicamente destinada a
servir de transição.
No estado teológico, o
espírito humano, dirigindo essencialmente suas investigações para a natureza íntima
dos seres, as causas primeiras e finais de todos os efeitos que o tocam, numa
palavra, para os conhecimentos absolutos, apresenta os fenômenos como produzidos pela ação
direta e contínua de agentes sobrenaturais mais ou menos numerosos, cuja
intervenção arbitrária explica todas as anomalias aparentes do universo.
No estado, metafísico,
que no fundo nada mais é do que si modo geral do primeiro, os agentes
sobrenaturais são substituídos por forças abstratas, verdadeiras entidades
(‘abstrações personificadas) inerentes aos diversos seres do mundo, e
concebidas como capazes de engendrar por elas próprias todos os fenômenos
observados, cuja explicação consiste, então, em determinar para cada um uma
entidade correspondente.
Enfim, no estado
positivo, o espírito humano, reconhecendo a impossibilidade de obter noções
absolutas, renuncia a procurar a origem e o destino do uni verso, a conhecer as causas
íntimas dos fenômenos, para preocupar-se unicamente em descobrir, graças ao uso
bem combinado do raciocínio e da observação, suas leis efetivas, a saber, as
relações invariáveis de sucessão e de similitude. A explicação dos fatos,
reduzidas então a seus lermos reais, se resume de agora em diante na ligação
estabelecida entre os diversos fenômenos particulares e alguns fatos gerais,
cujo número o progresso da ciência tende cada vez mais a diminuir.
O sistema teológico
chegou à mais alta perfeição de que é suscetível quando substituiu, pela ação
providencial de um ser único, o jogo variado de numerosas divindades
independentes, que primitivamente tinham sido imaginadas. Do mesmo modo, o
último termo do sistema metafísico consiste em conceber, em lugar de diferentes
entidades particulares, uma única grande entidade geral, a natureza,
considerada como fonte exclusiva de todos os fenômenos. Paralelamente, a
perfeição do sistema positivo à qual este tende sem cessam; apesar de ser muito
provável que nunca deva atingi-la, seria poder representar todos os diversos
fenômenos observáveis como casos particulares dum único fato geral, como a
gravitação o exemplifica (Curso de filosofia positiva, l lição, II)
A lei dos três estados carrega
consigo, ou expressa, uma concepção de história. Comte fundamenta suas noções
da positiva filosofia e do espírito positivo na noção de que esse estado é
decorrência de uma evolução histórica. Essa evolução é vista por ele como o
desenvolvimento do espírito e do conhecimento, e, apenas como consequência
dessa transformação, desenvolvem-se, então, as condições materiais e as
instituições sociais. A história é vista como uma evolução necessária, no
sentido de que os vários estágios e momentos têm de ser preenchidos
necessariamente, e como uma evolução linear que implica sempre a superposição,
o melhoramento, mas, jamais, rupturas, revoluções. A história, também, para
Comte, percorre um caminho que é predeterminado no sentido de que cada estado
leva ao outro e no sentido de que seu fim está, também, desde o início
estabelecido.
O espírito positivo, em
virtude de sua natureza eminentemente relativa, é o único a poder representar
convenientemente todas as grandes épocas históricas como tantas fases
determinadas duma mesma evolução fundamental, onde cada uma resulta da
precedente e prepara a seguinte, segundo leis invariáveis que fixam sua
participação especial na progressão comum, de maneira a sempre permitir, sem
maior inconsequência do que parcialidade, fazer exata justiça filosófica a
qualquer sorte de cooperação. (Discurso sobre o espírito positivo, 2 parte, X)
A história é vista, assim, como um
conjunto de fases imóveis em si mesmas, que num contínuo se substituem urnas às
outras, de forma que cada estágio é superior ao anterior, decorrência
necessária deste e preparação, também necessária, para o próximo estágio, até
que se chegue, finalmente, ao estado superior.
Sob outro aspecto
considera sempre o estado presente como resultado necessário do conjunto da
evolução anterior, de modo afazer constantemente prevalecer a apreciação
racional do passado no exame atual dos negócios humanos — o que logo afasta as
tendências puramente críticas, incompatíveis com toda sadia concepção
histórica. (Discurso sobre o espírito positivo, 2 parte, X)
A história transforma-se num
desenrolar que é guiado por dois princípios básicos. O princípio de ordem — de
urna transformação ordenada e ordeira, que não comporta transformações
violentas, que não comporta saltos, que flui num contínuo. E o princípio do
progresso — a transformação que ocorre no desenrolar da história é uma
transformação que leva a melhora mentos lineares e cumulativos. Nesse sentido,
a história que se resume ao desenvolvimento, ao progresso linear e segundo uma
ordem preestabelecida e que nada mais é que o desenvolvimento do espírito e do
pensamento segundo leis também preestabelecidas é explicada (e compreendida)
pela mera apresentação de suas fases. Nessa visão de história cabe ao homem
apenas o papel de resignação: é preciso aguardar o desenvolvimento e aguardá-lo
respeitando sua ordem natural, seu tempo, seus limites, num processo de espera
que é, ele também, ordeiro.
Para a nova filosofia,
a ordem constitui sem cessar a condição fundamental do progresso e,,.
reciprocamente o progresso vem a se, a meta necessária da ordem; como no
mecanismo animal, o equilíbrio e a progressão são mutua mente indispensáveis, a
título de fundamento ou destinação. (Discurso sobre o espírito positivos 2
parte, X)
Esses dois princípios de ordem e de
progresso, são inseparáveis entre si: (...) o progresso constitui, como a
ordem, uma das duas condições fundamentais da civilização moderna (Discurso sobre o espírito positivo, 2 parte,
IX), eles permeiam não apenas a visão de história e a concepção de sociedade de
Comte, mas também sua concepção de ciência.
Ao discutir o conhecimento no seu
estágio positivo, Comte erige o conhecimento que é científico no conhecimento
real, útil, preciso, certo, positivo e, nesse sentido, o erige no conhecimento
que o homem deve buscar para que possa não apenas reconhecer a ordem da
natureza, mas, também, nela interferir em seu benefício. Trata-se, então, de
discutir quais as bases desse conhecimento. E Comte encontra esses fundamentos
nos fatos, afirmando que o conhecimento científico é real porque o conhecimento
científico parte do real, parte dos fatos tal como se apresentam e que, de
resto, apresentam-se ao homem tal como são. Para ele, não se podem discutir os
mecanismos que permitem ao homem conhecer (e tal discussão não passaria de um
retorno à teologia ou à metafísica). Tudo o que se pode estudar são as
condições orgânicas — fisiologia, anatomia — que levam ao conhecimento e os
‘processos realmente empregados para obter os diversos conhecimentos exatos que
(o hotnein) já adquiriu (Curso de filosofia positiva, l lição, VIII).
Assim, para Comte, trata-se de
descobrir que métodos os homens têm empregado para chegar ao conhecimento,
para, desses métodos, extrair sua base correta. Comte descobre essa base
metodológica nos fatos, agora desprovidos de quaisquer roupagens que o obrigue
a discuti-los em sua relação com o sujeito que produz conhecimento.
Todos os bons espíritos
repetem, desde Bacon, que somente são reais os conhecimentos que repousam sobre
fatos observados. Essa máxima fundamental é evidentemente incontestável, se for
aplicada, como convém, ao estado viril de nossa inteligência. (Curso de
filosofia positiva, 1 lição, III)
Circunscreve seus
esforços ao domínio, que agora progride rapidamente, da verdadeira observação,
única base possível de conhecimentos verdadeiramente acessíveis, sabiamente
adaptados a nossas necessidades reais. A lógica especulativa tinha até então
consistido em raciocinar, de maneira mais ou menos sutil, conforme princípios
confusos que, não comportando qualquer prova suficiente, suscitavam sempre debates
sem saída. Reconhece de agora em diante, como regra fundamental, que toda
proposição que não seja estritamente redutível ao simples enunciado de um fato,
particular ou geral, não pode oferecer nenhum sentido real e inteligível. Os
princípios que emprega são apenas fatos verdadeiros, somente mais gerais e mais
abstratos do que aqueles dos quais deve formar o elo. Seja qual for, porém, o
modo, racional ou experimental, de proceder à sua descoberta, é sempre de sua
conformidade, direta ou indireta, com os fenômenos observados que resulta exclusivamente
sua eficácia científica. (Discurso sobre o espírito positivo, P parte, III)
Comte, entretanto, não supõe que a
mera acumulação de fatos leve à ciência e, fazendo o que acredita ser uma
crítica ao empirismo, assume que os fatos acumulados, que são a base e a origem
do conhecimento, só se transformam em conhecimento científico porque o homem OS
relaciona a hipóteses, por meio do raciocínio. Assim, para ele, os fatos são
acumulados pela observação, mas essa observação é submetida à imaginação que
permite relacionar tais fatos; relacioná-los para que se estabeleçam as leis
gerais e invariáveis a que esses estão submetidos.
A pura imaginação perde
assim, irrevogavelmente, sua antiga supremacia mental, e se subordina
necessariamente à observação, de maneira a constituir um estado lógico
plenamente normal, em cessar, entretanto, de exercer, nas especulações
positivas, oficio capital e inesgotável, para criar ou aperfeiçoar os meios de
ligação definitiva ou provisória. Numa palavra, a revolução funda mental, que
caracteriza a virilidade de nossa inteligência, consiste essencial- mente em
substituir em toda parte a inacessível determinação das causas propriamente
ditas pela simples pesquisa das leis, isto é, relações constantes que existem
entre os fenômenos observados. Quer se trate dos menores quer dos mais sublimes
efeitos, do choque ou da gravidade, do pensamento ou da moralidade, deles só
podemos conhecer as diversas ligações mútuas próprias à sua realização, sem nunca
penetrar no mistério de sua produção. (Discurso sobre o espírito positivo, 1
parte, III)
O conhecimento científico é,
portanto, para Comte, baseado na observação dos fatos e nas relações entre
fatos que são estabelecidas pelo raciocínio. Essas relações excluem tentativas
de descobrir a origem, ou uma causa subjacente aos fenômenos, e são, na
verdade, a descrição das leis que os regem. Comte afirma: Nossas pesquisas
positivas devem essencialmente reduzir-se, em todos os gêneros, à apreciação
sistemática daquilo que é, renunciando a descobrir sua primeira origem e seu
destino final (Discurso sobre o espírito positivo, la parte, III).
As leis dos fenômenos devem traduzir,
necessariamente, o que ocorre na natureza e, como dogma, Comte parte do
princípio de que tais leis são invariáveis.
Para Comte, o conhecimento científico
seria constituído por um conjunto de leis: Nas leis dos fenômenos consiste
realmente a ciência (...) (Discurso sobre o espírito positivo, la parte, III).
A descoberta das leis tem por objetivo básico satisfazer a curiosidade humana
(..) as ciências
possuem, antes de tudo, destinação mais direta e elevada, a saber, a de
satisfazer a necessidade fundamental sentida por nossa inteligência, de
conhecer as leis dos fenômenos. (Curso de filosofia positiva, P lição, III)
Além desse objetivo fundamental do
conhecimento positivo, este deve, também, ser útil: (..) ciência, daí
previdência: previdência, daí ação (Curso de filosofia positiva, P lição, III).
Esses aspectos relativos ao
conhecimento científico são, assim, explicitados pelo próprio Comte:
Ora, considerando a
destinação constante dessas leis, pode-se dizer, sem exagero algum, que a
verdadeira ciência, longe de ser formada por simples observações, tende sempre
a dispensar, quanto possível, a exploração direta, substituindo-a por essa
previsão racional que constitui, sob todos os aspectos, o principal caráter do
espírito positivo, como o conjunto dos estudos astronômicos nos fará sentir
claramente. Tal previsão, consequência necessária das relações constantes
descobertas entre os fenômenos, não permitirá nunca confundir a ciência real
com essa vã erudição, que acumula maquinalinente fatos sem aspirar a deduzi-los
uns dos outros. Esse grande atributo de todas as nossas especulações sadias não
interessa menos à sua utilidade efetiva do que à sua própria dignidade; pois a
exploração direta dos fenômenos acontecidos não bastará para nos permitir, todo
acontecimento, se não nos conduzisse a prevê-los convenientemente. Assim, o
verdadeiro espírito positivo consiste, sobretudo, em ver para crer, em estudar
o que é a fim de concluir disso o que será, segundo o dogma geral da
invariabilidade das leis naturais. (Discurso sobre o espírito positivo, 1’
parte, III)
O conhecimento científico positivo, que
estabelece as leis que regem os fenômenos de forma a refletir o modo como tais
leis operam na natureza, tem, para Comte, ainda, duas características: é um
conhecimento sempre certo, não se admitindo conjecturas, e é um conhecimento
que sempre tem algum grau de precisão, embora esse grau varie de ciência para
ciência, dependendo do seu objeto de estudo. Assim, Comte reforça a noção de
que o conheci mento científico é um conhecimento que não admite dúvidas e
indeterminações e o desvincula de todo conhecimento especulativo.
Se, conforme a
explicação precedente, as diversas ciências devem necessariamente apresentar
uma precisão muito desigual não resulta dai, de modo algum, sua certeza. Cada
uma pode oferecer resultados tão certos como qualquer outra, desde que saiba
encerrar suas conclusões no grau de precisão que os fenômenos correspondentes
comportam, condição nem sempre fácil de cumprir numa ciência qualquer, tudo o
que é simplesmente conjectural é apenas mais ou menos provável, não está aí seu
domínio essencial; tudo o que é positivo, isto é, fundado em fatos bem
constatados, é certo — não há distinção a esse respeito. (Curso de filosofia
positiva, 2’ lição, XI)
No entanto, embora assumindo que o
conhecimento científico é certo, Comte o afirma, também, relativo. O
conhecimento é relativo porque os homens só o alcançam na medida de suas
possibilidades, isto é, limitados pelo seu aparato sensorial, que não lhes
permite a tudo perceber, a tudo observar. E relativo, ainda, porque, para
Comte, o conhecimento, medido por sua utilidade, transforma-se e incorpora
novos conhecimentos, levando, assim, a seu desenvolvimento, permitindo ao homem
sua utilização mais ampla e a descrição de mais fatos; embora não lhe permita
descrever tudo o que há.
(..) importa, ademais,
sentir que esse estudo dos fenômenos, ao invés de poder de algum modo tornar-se
absoluto, deve sempre permanecer relativo à nossa organização e à nossa
situação. Reconhecendo, sob esse duplo aspecto, a imperfeição necessária de
nossos diversos meios especulativos, percebe-se que, longe de poder estudar
completamente alguma existência efetiva, de modo algum poderíamos garantir a
possibilidade de constatar assim, ainda que mui to superficialmente, todas as
existências reais, cuja maior parte talvez deva nos escapar totalmente. Se a
perda de um sentido importante basta para nos esconder radicalmente uma ordem
inteira de fenômenos naturais, cabe pensar, reciprocamente, que a aquisição de
um sentido novo nos desvendaria uma classe de fatos, de que não temos agora
idéia alguma, a menos de crer que a diversidade dos sentidos, tão diferentes
entre os principais tipos de animalidade, se encontre levada, em nosso
organismo, ao mais alto grau que possa exigir a exploração total de nosso mundo
exterior, suposição evidentemente gratuita e quase ridícula.
(..) Se portanto, sob o
primeiro aspecto, se reconhece que nossas especulações devem sempre depender
tias diversas condições essenciais de nossa existência individual, é preciso
igualmente admiti,; sob o segundo, que não estão menos subordinadas ao conjunto
da progressão social, de maneira a nunca poder comportar essa fixidez absoluta
que os metafísicos supuseram. Ora, a lei geral do movimento fundamental da
Humanidade consiste, a esse respeito, em que nossas teorias tende,, cada vez
mais, a representar exatamente os assuntos exteriores de nossas constantes
investigações, semi que entretanto a verdadeira constituição de cada um deles
possa, em caso algum, ser plenamente aprecia da. A perfeição científica deve
limitar-se à aproximação desse limite ideal, tanto quanto o exigem nossas
diversas necessidades reais. (Discurso sobre o espírito positivo, 1’ parte,
III)
É interessante notar que a defesa do
caráter relativo do conhecimento parece incoerente com outras afirmações de
Comte. Ao discutir as características do aparato sensorial dos homens, Comte
introduz a presença do sujeito que produz o conhecimento. E esta é uma questão
que Comte explicitamente afirma querer evitar, uma vez que abre a discussão
sobre o papel da subjetividade na produção de conhecimento, O outro aspecto
apontado por Comte como constituindo o caráter relativo do conhecimento, que é
a trans formação que o conhecimento, sofre no sentido de seu aprimoramento,
parece indicar os limites que o termo relativo tem na concepção de Comte: ao
afirmar a relatividade do conhecimento, apelando para sua transformação e
desenvolvimento no decorrer da história, Comte, num certo sentido, absolutiza o
conhecimento porque supõe esse desenvolvimento como linear e sempre progressivo.
Mais do que isto, segundo Bréhier
(1977b) e Kolakowski (1972), o reconhecimento de que o conhecimento científico
é relativo às necessidades cotidianas é o que permite a Comte retirar do
conjunto do conhecimento científico os resultados que lhe parecem incompatíveis
com aquilo que ele acredita ser a ordem da natureza que tais conhecimentos
deveriam expressar. Comte recusa-se, por exemplo, a aceitar a teoria da
evolução, já que esta impede classificações permanentes. Bréhier afirma: Comte
condena estas pesquisas como sendo contrárias à positividade verdadeira (...)
as pesquisas que podem ser feitas fora dos limites da experiência corrente são
inúteis e, ademais, infinitas (p. 264).
Kolakowski (1972) vai além e afirma:
Aquelas áreas do mundo que permitem
apenas classificações fluidas, que revelam transições qualitativas contínuas ou
quaisquer características enigmáticas, perturbam-no e irritam-no (...). Comte é
um fanático no que diz respeito à busca de uma ordem definitiva e eterna. (p.
77)
A noção de ordem remete à noção de
organização e aqui se chega a uma última característica dentre as levantadas
por Comte como pertencentes ao pensamento positivo e, portanto, pertencentes
também, inevitavelmente, à ciência. E nesse sentido que se deve compreender a
afirmação de Comte de que o pensamento positivo se opõe ao negativo (à crítica)
porque busca não destruir, mas organizar. Para organizar o conhecimento é
necessário supor uma ordem preexistente; mais que isto, a ordem do conhecimento
deve supor, por princípio, uma ordem, também, na própria natureza. A natureza é
com posta, para ele, por classes de fenômenos ordenados de forma imutável e
inexorável e cabe à ciência, apenas, apreender e descrever tal ordem.
(..) todos os
acontecimentos reais, compreendendo os de nossa própria existência individual e
coletiva, estão sempre sujeitos a relações naturais de sucessão e de similitude
essencialmente independentes de nossa intervenção. (..) Embora essa ordem lenha
sido ignorada por muito tempo, seu império inevitável nem por isso dele de
tender a regulai sem que quiséssemos, toda nossa existência, primeiro, ativa,
e, em seguida, contemplativa ou mesmo afetiva. Na medida em que a conhecemos,
nossas concepções se tomaram menos vagas, nossas inclinações menos caprichosas,
nossa conduta menos arbitrária. Desde que aprendemos seu conjunto, tende a
regularizar, em todos os gêneros, a sabedoria humana, apresentando sempre nossa
economia art como um judicioso prolongamento dessa irresistível economia natural.
Esta é preciso estudar e respeitar, para chegar a aperfeiçoá-la. Mesmo naquilo
que nos oferece de verdadeiramente fatal, isto é, de não modificável, essa
ordem exterior é indispensável para a direção de nossa existência, a despeito
das recriminações art de tantas inteligências orgulhosas. (..) Incapazes de
criar, só sabemos modificar, em nosso proveito, uma ordem essencialmente
superior à nossa influência. Supondo possível a independência absoluta, sonhada
pelo orgulho metafísico, percebemos logo que, longe de melhorar nosso destino,
ela impediria todo florescimento real de nossa existência, até mesmo privada.
(Discurso preliminar sobre o conjunto do positivismo, p. 110)
Esses trechos deixam clara a completa
recusa de Comte em admitir a indeterminação ou acaso em qualquer fenômeno da
natureza, e Comte afirma ser
(...) aberração radical
de quase todos os geômetras atuais (..) o pretenso cálculo do acaso, em que se
supõe necessariamente que os fatos correspondentes não seguem lei alguma.
(Discurso preliminar sobre o conjunto do positivismo, p. 109)
Entretanto, Comte supõe graus de
possibilidade diferentes do homem intervir nessa natureza rigidamente ordenada.
Essa possibilidade é maior em relação aos fenômenos referentes à existência do
homem (individual ou coletiva) e menor em relação aos fenômenos não diretamente
vinculados à existência humana, chegando a zero na astronomia, que diz respeito
aos fenômenos mais gerais da natureza e, também, mais distantes do homem.
Porém, mesmo as modificações possíveis não passam, para Comte, de modificações
secundárias nos fenômenos, já que não criam uma nova ordem e não podem alterar
a lei que rege os fenômenos. Por isto, Comte enfatiza e critica a falsa noção
que essas transformações secundárias frequentemente geram. A noção de que, se é
possível controlar e transformar fenômenos, estes não seriam, então, sujeitos a
leis imutáveis. Partindo dessas noções de ordem na natureza e da imutabilidade
de suas leis e de uma consequente ordenação do conhecimento, Comte propõe uma classificação
para as ciências. Essa classificação está fundamentada no que concebe como
sendo o objetivo das ciências — o estabelecimento das leis que regem os
fenômenos — e que, para Comte, não pode ser confundida com o objetivo das artes
(da tecnologia) de buscar aplicação prática imediata para o conhecimento.
É, pois, evidente que,
depois de ter concebido, de maneira geral, o estudo da natureza como servindo
de base racional à ação sobre ela, o espírito humano deva proceder a pesquisas
teóricas, fazendo completamente abstração de toda consideração prática;
porquanto nossos meios para descobrir a verdade são de tal modo fracos que, se
não os concentrássemos exclusivamente neste fim, se, na procura desta verdade
nos impuséssemos, ao mesmo tempo, a condição estranha de encontrar nela uma
utilidade prática imediata, quase nos seriam sempre impossível chegar a ela.
(Curso de filosofia positiva, 2 lição, III)
A partir desse suposto, Comte
estabelece uma divisão entre ciências abstratas, que ele considera fundamentais,
e as ciências concretas:
É preciso distinguir,
em relação a todas as ordens de fenômenos, dois gêneros de ciências naturais:
umas, abstratas, gerais, tendo por objeto a descoberta das leis que regem as
diversas classes de fenômenos e que consideram todos os casos possíveis de
conceber; outras, concretas, particulares, descritivas, designadas algumas
vezes sob o no de ciências naturais propriamente ditas, e que consistem na
aplicação dessas leis à história efetiva dos diferentes seres existentes. As
primeiras são, pois, fundamentais, sendo a elas que neste curso nossos estudos
se limitarão. As outras, seja qual for sua importância, são de fato apenas
secundários e não deve, e, por conseguinte, fazer parte dum trabalho cuja
extensão extrema nos obriga a reduzir ao mínimo seu desenvolvimento possível.
(Curso de filosofia positiva, 2 lição. IV)
Para as ciências fundamentais, e
segundo uma ordem que é da própria natureza, Comte estabelece uma classificação
que obedece ao grau de simplicidade e generalidade do objeto a que cada ciência
fundamental se refere. Assim, sua classificação se inicia com as ciências que
se ocupam dos fenômenos mais simples e mais distantes dos homens e que são,
também, os mais gerais. Os fenômenos mais simples e mais gerais influenciam os
mais particulares e mais complexos e, por isto, o conhecimento destes supõe o
conhecimento necessário dos primeiros. Essa ordenação se constitui, para Comte,
numa hierarquia rígida e que tem uma só direção, não havendo a possibilidade de
que os fenômenos mais particulares, como, por exemplo, os fenômenos químicos,
exerçam qualquer influência sobre fenômenos mais gerais, como, por exemplo, os
fenômenos físicos.
Num primeiro momento, Comte
hierarquiza cinco ciências fundamentais, com o intuito de esclarecer e aplicar
seus critérios de classificação:
Como resultado dessa
discussão, a filosofia positiva se encontra, pois, natural dividida em cinco
ciências fundamentais, cuja sucessão é determinada pela subordinação necessária
e invariável, fundada, independentemente de toda opinião hipotética, na simples
comparação aprofundada dos fenômenos correspondentes: a astronomia, a física, a
química, a filosofia e, enfim, a física social. A primeira considera os
fenômenos mais gerais, mais simples, mais abstratos e, mais afastados da
humanidade, e que influenciam todos os outros sem serem influenciados por
estes. Os fenômenos considerados pela última são, ao contrário, os mais
particulares, mais complicados, mais concretos e mais diretamente interessantes
para o homem; dependem, mais ou menos, de todos os precedentes, sem exercer
sobre eles influência alguma. Entre esses extremos, os graus de especialidade,
de complicação e de personalidade dos fenômenos vão gradualmente aumentando,
assim como sua dependência sucessiva. Tal é a íntima relação geral que a
verdadeira observação filosófica, convenientemente empregada, ao contrário de
vãs distinções arbitrárias, nos conduz a estabelecer entre as diversas ciências
fundamentais. Este deve ser, portanto, o plano deste curso. (Curso de filosofia
positiva, 2 lição, X)
A essas cinco ciências, acrescenta,
então, uma sexta, que vem a ser a base para todas as outras ciências
fundamentais.
É, de resto, evidente
que, colocando a ciência matemática no topo da filosofia positiva, apenas
estamos estendendo ainda mais a aplicação desse princípio de classificação,
fundado na dependência sucessiva das ciências, resultante do grau de abstração
de seus fenômenos respectivos. (..). Vê-se que os fenômenos geométricos e
mecânicos são, entre todos, os mais gerais, os mais simples, os mais abstratos,
os mais irredutíveis e os mais independentes de todos os outros, de que
constituem ao contrário, a base. (.). Como resultado definitivo temos a
matemática, a astronomia, a física, a química, a fisiologia, e a física social;
tal é a fórmula enciclopédica que, dentre o grande número de classificações que
comportam as seis ciências fundamentais, é a única logicamente conforme à
hierarquia natural e invariável dos fenômenos. Não preciso lembrar a importância
desse resultado, com que o leitor deve familiarizar-se para dele fazer, em toda
a extensão deste curso, uma aplicação contínua. (Curso de filosofia positiva, 2
lição, XII)
Uma última característica
significativa da proposta de Comte para a ciência é sua defesa de que todas as
ciências devem se utilizar de um método único.
A unidade do método não significa que
Comte defenda que todas as ciências devam se submeter aos mesmos procedimentos
de investigação; ao contrário, procedimentos específicos são vistos como
adaptados estreitamente aos objetos a que se referem, assim, por exemplo, a
química deve utilizar da experimentação, enquanto a biologia deve utilizar da
comparação e classificação. Essa unidade se refere, para Comte, à aplicação da
filosofia positiva a todos os ramos do conhecimento, e, nesse sentido, pode-se
entender como unidade do método a aplicação de procedimentos que levem à
descoberta e descrição das leis que regem os fenômenos, a partir dos fatos e do
raciocínio que permitem relacioná-los segundo essas leis, a fim de alcançar um
conhecimento positivo que, como já foi dito, deve ser: real, útil, certo,
preciso, que busca organizar e não destruir e que é relativo.
A única unidade
indispensável é a unidade do método, que pode e deve evidentemente existir e já
se encontra, na maior parte, estabelecida. Quanto à doutrina, não é necessário
ser una, basta que seja homogênea. E, pois, sob o duplo ponto de vista da
unidade dos métodos e da homogeneidade das dou trinas que consideraremos, neste
curso, as diferentes classes de teorias positivas. Tendendo a diminuir o mais
possível, o número das leis gerais necessárias para a explicação positiva dos
fenômenos naturais, o que é, com efeito, a meta filosófica da ciência, consideraremos,
entretanto, como temerário aspirar um dia, ainda que para um futuro muito
afastado, a reduzi-las rigorosamente a uma só. (Curso de filosofia positiva, 1
lição, X)
A garantia de uma unidade do método a
todas as ciências está associada ao que Comte talvez considere seu grande
empreendimento: a criação de uma física social, ou uma sociologia, ou seja, a
criação de uma ciência que se ocuparia da explicação da sociedade, possível
pela aplicação do mesmo método já empregado nas outras ciências.
Eis a grande, mas,
evidentemente, única lacuna que se trata de preencher para constituir a
filosofia positiva. Já agora que o espírito humano fundou a física celeste; a
física terrestre, quer mecânica, quer química; a física orgânica, seja vegetal
seja animal resta-lhe, para terminar o sistema das ciências de observação,
fundar a física social. Tal é hoje em várias direções capitais, a maior e mais
urgente necessidade de nossa inteligência. Tal é, ouso dizei; o primeiro
objetivo deste curso, sua meta especial. (Curso de filosofia positiva, l lição,
VI)
Essa meta que Comte se coloca, a
criação de uma nova ciência — a da sociedade —, implica uma visão de sociedade
e um conjunto de propostas para ela.
Assim como ocorre com as outras
ciências que se ocupam de fatos que são regidos por leis naturais e imutáveis,
também a sociedade é vista, por Comte, como governada por leis que são
imutáveis em si mesmas e que são independentes da vontade dos indivíduos ou do
coletivo.
Essas leis, que são da mesma natureza
das que governam a física ou a biologia, são, no entanto, leis próprias e
particulares aos fenômenos sociais. Estes são vistos como fenômenos mais
complexos, como fenômenos regidos por suas próprias leis que não se constituem
em mera extensão de outras, como da fisiologia, por exemplo. A fisiologia, que
estuda os indivíduos, não substitui o estudo da sociedade, embora fundamente
esse estudo.
Em todos os fenômenos
sociais observa-se, primeiramente, a influência das leis fisiológicas do
indivíduo e, ademais, alguma coisa de particular que modifica seus efeitos e
que provém da ação dos indivíduos uns sobre os outros, algo que se complica
particularmente na espécie humana por causa da ação de cada geração sobre
aquele que lhe segue. É pois evidente que, para estudar convenientemente os
fenômenos sociais, é preciso partir de início do conheci mento aprofundado das
leis relativas à vida individual. Por outro lado, essa subordinação necessária
dos dois estudos não prescrevei de modo algum, como certos fisiologistas de
primeira ordem foram levados a crer a necessidade de ver na física social
simples apêndice da fisiologia. A despeito de os fenômenos serem por certo
homogêneos não são idênticos e a separação das duas ciências é duma importância
verdadeiramente fundamental. Pois seria impossível tratar o estudo coletivo da
espécie como pura dedução do estudo do indivíduo, porquanto as condições
sociais, que modificam a ação das leis fisiológicas, constituem precisamente a
consideração mais essencial. Assim, a física social deve fundar-se num corpo de
observações diretas que lhe seja próprio, atentando, como convém, para sua
íntima relação necessária com a fisiologia propriamente dita. (Curso de
filosofia positiva, 2 lição, IX)
Comte faz, também, uma distinção
entre o indivíduo e o coletivo. Caracteriza o homem como ser inteligente e
dotado de sociabilidade (o que o diferencia dos animais) e reivindica para o
coletivo, para o grupo social, uma superioridade perante o indivíduo. E dessa
concepção que decorre sua noção de que os homens, enquanto indivíduos numa
sociedade, existem como substitutos efêmeros de outros indivíduos e que, como
tal, têm importância, apenas, como perpetuadores da espécie. E esse caráter, o
de um grupo constantemente modificado pela substituição de indivíduos
particulares, mas que se perpetua e que permanece essencialmente o mesmo
(apesar dos indivíduos particulares) por garantir a sobrevivência da espécie e
por submeter-se às mesmas leis naturais, que garante, de um lado, a
superioridade do coletivo sobre o individual, de outro lado, a preocupação da
sociologia com o grupo social, e de outro, ainda, a noção de que os objetivos a
serem alcançados pela sociedade são os objetivos relevantes ao grupo e não ao
endivido. Ademais, isto leva à noção de que, no verdadeiro espírito positivo, a
felicidade individual é obtida pela
felicidade do grupo.
O espírito positivo ao
contrário, é diretamente social tanto quanto possível e sem nenhum esforço,
precisamente por causa de sua realidade característica. Para ele o homem
propriamente dito não existe existindo apenas a humanidade já que nosso
desenvolvimento provém da sociedade a partir de qualquer perspectiva que se o
considere. Se a idéia de sociedade parece ainda uma abstração de nossa
inteligência, é sobretudo em virtude do antigo regime filosófico, porquanto, a
bem dizer, é à idéia de indivíduo que pertence tal caráter, ao menos em nossa
espécie. O conjunto da nova filosofia sempre tenderá a salientar, tanto na vida
ativa quanto na vida especulativa a ligação de cada um a todos sob uma multidão
de aspectos diferentes, de maneira a tornar involuntariamente familiar o íntimo
sentimento de solidariedade social convenientemente desdobrado para todos os
tempos e todos os lugares. Não somente a ativa procura do bem público será, sem
cessar, considerada como o modo mais próprio de assegurar comumente a
felicidade privada graças a uma influência ao mesmo tempo mais direta e mais
pura e, finalmente mais eficaz; o mais completo exercício possível das
tendências gerais tornar-se-á a principal fonte da felicidade pessoal, ainda
que não devesse trazer excepcionalmente outra recompensa além de uma inevitável
satisfação interior. (Discurso sobre o espírito positivo, 2 parte, XV)
Para Comte, o desenvolvimento da
humanidade, que passa pelos três estados (o teológico, o metafísico e o
positivo), resume-se, essencialmente, no desenvolvimento do espírito, do
conhecimento. Nesse desenvolvimento, as estruturas básicas da sociedade — a
família, a propriedade, a religião, a linguagem, a relação do poder espiritual
e do poder temporal (Bréhier, 1 977b, p. 267) — mantêm-se, fundamentalmente,
inalteradas. Essas estruturas são consideradas definitivas e básicas em
qualquer estágio do desenvolvimento social, só ocorrendo, na passagem de um
momento a outro, aperfeiçoamentos em cada uma delas. Assim, mais uma vez, Comte
subordina a dinâmica a uma estática, subordina o progresso à ordem; o progresso
é um mero deslocamento, um mero aperfeiçoamento de estruturas que são perenes e
imutáveis. A sociologia caracteriza-se, então, pela preocupação em descobrir
que leis governam a sociedade e não pela preocupação com a sua transformação.
Não se pode
primeiramente desconhecer a aptidão espontânea dessa filosofia a constituir
diretamente a conciliação fundamental ainda procurada de tão vãs maneiras,
entre as exigências simultâneas da ordem e do progresso. Basta-lhe; para isso
estender até os fenômenos sociais uma tendência plenamente conforme a sua natureza
e que tornou agora muito familiar em todos os outros casos essenciais. Num
assunto qualquer, o espírito positivo leva sempre a estabelecer exata harmonia
elementar entre as idéias de existência e as idéias de movimento, donde resulta
mais especialmente; no que respeita aos com pos vivos, a correlação permanente
das idéias de organização com as idéias de vida e; em seguida, graças a uma
última especialização peculiar ao organismo social a solidariedade continua das
idéias de ordem com as idéias de progresso. (Discurso sobre o espírito
positivo, 2 parte, X)
Essas noções ajudam a esclarecer por
que Comte é um defensor ferrenho do poder estabelecido e um crítico de toda e
qualquer tentativa de mu dança de poder, seja nas suas estruturas, seja nos
seus ocupantes.
Sob essas condições
naturais, a escola positiva tende, de um lado, a consolidar todos os poderes
atuais sejam quais forem seus possuidores de outro, a impor-lhes obrigações
morais cada vez mais conformes às verdadeiras necessidades dos povos. (Discurso
sobre o espírito positivo, 3 parte, XVI)
Para Comte, qualquer insubordinação
ao poder corrompe uma ordem preestabelecida, além de levar à falsa noção de que
o fato de existirem diferentes grupos sociais implicaria uma oposição insolúvel
de interesses entre esses grupos. Qualquer proposta ou ação que dificulte ou
impeça a aceitação da concepção de que os diferentes grupos sociais existentes
são complementares e necessários uns aos outros (industriais e trabalhadores,
por exemplo) e de que a harmonia entre eles é benéfica e indispensável à
sociedade (cujo progresso depende da ordem) é vista como falsa e perigosa. Já
que Comte supõe que a sociedade depende e necessita de ordem para progredir,
supõe, como consequência, que depende também de instituições fortes e
permanentes, depende da existência de diferentes grupos sociais e de uma
coexistência pacífica e harmoniosa entre eles.
São essas concepções que dão origem a
um programa social que não implica mudanças e transformações sociais, mas que
implica, isso sim, criar condições para que esses elementos necessários à
sociedade se mantenham. E desta forma que deve ser compreendido seu programa
social, baseado em dois aspectos fundamentais: uma educação universal, que
ensine e convença os homens (e especialmente os trabalhadores) da imutabilidade
e inexorabilidade das leis naturais a que estão submetidos, e trabalho para
todos, o que garante que cada indivíduo cumpra seu papel social. Nesse sentido,
são condições que preenchem um dever e não condições que garantem um direito.
São essas concepções que originam,
também, a noção de que o poder a que os trabalhadores podem e devem aspirar é o
poder espiritual, que é defendido por Comte como o único que realmente importa
e que supera todo poder material ou temporal.
Se o povo está agora e
deve permanecer a partir desse momento indiferente à posse direta do poder
político nunca pode renunciar à sua indispensável participação contínua no
poder moral. Este é o único verdadeiramente acessível a todos, sem perigo algum
para a ordem universal. Muito pelo contrário: traz-lhe grandes vantagens
cotidianas, autorizando cada um, em nome duma comum doutrina fundamental, a
chamar convenientemente as mais altas potências a seus diversos deveres
essenciais. Na verdade; os preconceitos inerentes ao estado transitório ou
revolucionário tiveram que encontrar também algum acesso em nossos proletários
alimentando, com efeito, inoportunas ilusões sobre o alcance indefinido das
medidas políticas propriamente ditas. Impedem de, apreciar quanto a justa
satisfação dos grandes interesses populares depende hoje muito mais das
opiniões e dos costumes do que das próprias instituições, cuja verdadeira
regeneração, atualmente impossível, exige; antes de tudo, uma reorganização
espiritual. No entanto, podemos assegurar que a escola positiva terá muito
maior facilidade em fazer penetrar este salutar ensino nos espíritos populares
que em qualquer outra parte, seja porque a metafísica negativa aí não pode
enraizar-se tanto, seja, sobretudo, por causa do impulso constante das
necessidades sociais inerentes à sua situação necessária. Essas necessidades se
reportam essencialmente a duas condições fundamentais, uma espiritual outra
temporal de natureza profundamente conexa. Trata-se com efeito, de assegurar convenientemente
a todos primeiro, uma educação normal depois o trabalho regular. Tal é, no
findo, o verdadeiro programa social dos proletários. Não pode mais existir
verdadeira popularidade a não ser para uma política que tenda necessariamente
para esse duplo destino. (Discurso sobre o espírito positivo, V parte, XIX)
A perspectiva e as propostas de Comte
para a sociedade são completamente coerentes com sua noção de que a
transformação, a evolução, o desenvolvimento são, antes de tudo,
desenvolvimento e transformação do espírito. São coerentes, portanto, com a
concepção que defende que a luta pela transformação é a luta pela transformação
e pelo desenvolvimento das idéias e da moral.
Atacando a desordem
atual em sua verdadeira fonte, necessariamente mental constitui, tão
profundamente quanto possível, a harmonia lógica, regenerando, de início, os
métodos antes das doutrinas, por uma tripla conversão simultânea da natureza
das questões dominantes da maneira de tratá-las e das condições prévias de sua
elaboração. Demonstra, com efeito, de uma parte, que as principais dificuldades
sociais não são hoje essencialmente políticas, mas sobre tudo morais de sorte
que sua solução possível depende realmente das opiniões e dos costumes, muito
mais do que as instituições, o que tende a extinguir uma atividade
perturbadora, transformando a agitação política em movimento filosófico.
(Discurso sobre o espírito positivo, 2 parte, X)
Só quando a moral tiver completado
sua evolução poder-se-á pensar na reforma das instituições. Assim, para Comte,
as únicas mudanças e trans formações bem-vindas e necessárias são morais e só
depois de completadas se poderia pensar em mudanças materiais.
A tendência
correspondente dos homens de Estado a impedir hoje tanto quanto possível todo
grande movimento político encontra-se aliás espontaneamente com as exigências
fundamentais de uma situação que só comportará real mente instituições
provisórias, enquanto uma verdadeira filosofia geral não vincular
suficientemente as inteligências. Desconhecida pelos poderes atuais, essa
resistência instintiva colabora para facilitar a verdadeira solução, ajudando a
transformar uma estéril agitação política numa ativa progressão filosófica, de
maneira a seguir enfim, a marcha prescrita pela natureza, adequada à
reorganização final que deve primeiro ocorrer nas idéias para passar em seguida
aos costumes e, finalmente, ás instituições. (Discurso sobre o espírito
positivo, 2 parte, IX)
A partir daí não é difícil
compreender por que Comte propõe, em vez de mudanças nas estruturas e
instituições sociais, mudanças que resultariam em/de uma nova religião. Em vez
de mudar a vida material, muda-se, desenvolve-se, trabalha-se a vida moral.
Isto seria feito por meio de uma nova religião, a religião da humanidade que,
se permite as reformas morais necessárias, mantém, de resto, a própria
estrutura das religiões — cultos, igrejas, santos, preces, etc. — e não
interfere nas estruturas da sociedade.
Se a religião da humanidade permite
as reformas necessárias ao desenvolvimento do espírito positivo, ela deve ser
perfeitamente conforme com os princípios do conhecimento científico positivo.
Com admirável coerência, Comte consegue combinar ciência positiva e religião
positiva, ao erigir em ente supremo da religião da humanidade, ao sustentar,
como dogma de sua religião, os princípios e leis imutáveis da natureza que, se
são descobertos pela investigação científica, são popularizados e propagados,
na forma de dogma, por meio de sua religião.
A fé positiva expõe
diretamente as leis efetivas dos diversos fenômenos observáveis, tanto
interiores como exteriores; isto é, suas relações constantes de sucessão e de
semelhança, as quais nos permitem prever uns por meio dos outros. Ela afasta,
como radical incute inacessível e profundamente ociosa, toda pesquisa acerca
das causas propriamente ditas, primeiras ou finais, de quais quer
acontecimentos. Em suas concepções teóricas, ela explica sempre como e nunca
porque. Quando, porém, indica os meios de dirigir nossa atividade ela faz, pelo
contrário, prevalecer constantemente a consideração do fim, já que então, o
efeito prático dimana com certeza de uma vontade inteligente.
(..)
O dogma fundamental da
religião universal consiste, portanto, mia existência constatada de uma ordem
imutável a que estão sujeitos os acontecimentos de todo gênero. Esta ordem é ao
mesmo tempo, objetiva e subjetiva: por outras palavras, diz igualmente respeito
ao objeto contemplado e ao sujeito contemplador. Leis físicas supõem, com
efeito, leis lógicas, e reciprocamente. Se o nosso entendimento não seguisse
espontaneamente regra alguma, não poderia ele nunca apreciar a harmonia
exterior. Sendo o inundo mais simples e mais poderoso que o homem, a
regularidade deste seria ainda menos conciliável com a desordem daquele. Toda
fé positiva assenta, pois, nesta dupla harmonia entre o objeto e o sujeito.
(Catecismo positivista, pp. 143-144)
Por suas concepções a respeito do conhecimento e da sociedade e por sua
capacidade de unir em um sistema coerente suas noções, Comte é visto como o
grande representante de uma burguesia que, na segunda metade do século XIX, já
havia perdido seu caráter libertário e progressista e havia, ao se
entrincheirar no poder, assumido um caráter conservador. As estruturas
econômicas, sociais e políticas, estabelecidas por essa burguesia e que lhe
permitiam um contínuo acúmulo de capital, para serem perpetuadas e
desenvolvidas, precisavam ser acrescidas de um ideário, de um sistema
explicativo que afastasse as ameaças contidas nas lutas sociais e políticas
emergentes e nas propostas de transformação que o próprio capitalismo gerara,
Comte cumpriu esse papel com maestria.
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